segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Diagnóstico certo, remédio errado

O REMÉDIO ERRADO

24 de fevereiro de 2013

Philippe Guédon

Aplaudo a matéria do Estado de São Paulo, o querido "Estadão", quando aborda a vergonha nacional da venda de legendas. Claro que me machuca constatar que o exemplo citado é o do Partido Humanista da Solidariedade, o PHS de número 31, que organizamos com tanto amor para defender as propostas do Solidarismo Comunitário do Padre Fernando Bastos de Ávila.
    Mas talvez eu esteja enganado. Talvez não seja motivo de vergonha, mas de orgulho, ver que a nossa pobre sigla é uma dentre aquelas que foi assaltada por profissionais da má política, mas é a única na qual numerosos filiados não se conformaram com a transformação do Partido em balcão de negócios e não se omitiram: entraram com ações na Justiça e com denúncias junto aos mais diversos órgãos federais e estaduais, falaram, escreveram e assinaram embaixo. Anima-me o sentimento que os "Resistentes" da pequena agremiação fizeram e estão fazendo mais pela volta da decência ao nosso cenário político-partidário do que qualquer outro grupo de filiados ou militantes de qualquer outro partido.
    Desde o golpe da tomada de poder do Partido, tornado possível pela fragilidade financeira e emocional de um irmão de caminhada, aprendemos muita coisa. Sabemos mais, hoje, sobre as causas da decadência partidária no Brasil do que a maioria dos "cientistas políticos". Por exemplo: os partidos tornaram-se, em 1995, pessoas jurídicas de direito privado; as discussões sobre a sua vida interna, regulamentada pelo Estatuto de cada qual, devem ser levadas à Justiça Comum, às Varas Cíveis da cidade-sede do partido. O que poucos sabem, é que os Magistrados dessas Varas Cíveis de 1ª Instância da Justiça Comum não se sentem à vontade para julgar as questões partidárias. E a razão é simples. Quando abrem a página do Tribunal Superior Eleitoral na internet, encontram lá escrito que o Estatuto de tal ou qual partido foi aprovado por acórdão da Corte de tal data, acórdão este publicado no Diário Oficial eletrônico da Justiça de determinada data. Ora, se o Estatuto foi aprovado por uma Corte Superior composta por sete Ministros, qual o Juiz que vai dar ouvidos à demanda de um Sr. Zé Ninguém, de uma Senhora Dª Maria? Acontece que o TSE não aprova Estatuto nenhum. Apenas concorda em registrar o dito, se tiver sido anotado, antes, por Cartório de Títulos e Documentos do DF. Em verdade, o que quer que esteja escrito no Estatuto não é lido pelo Cartório nem é lido pelo TSE. E por que escrevem que foi aprovado? Bem, aí não posso satisfazer a curiosidade de algum leitor, porque ninguém me responde à pergunta que faço sem parar.
    É minha convicção que esta zona de sombra, esta terra de ninguém, este vácuo judicial, é o principal fator do lamentável nível de nossos partidos. Deixaram toda a área disponível para os espertos; nenhum fiscal a fiscaliza. Se o amigo tiver uma empresa, sabe da habitual severidade das Juntas Comerciais. Se for instituidor de uma Fundação, pois conhece o peso da tutela dos Ministérios Públicos. Já, os Partidos, não são carne nem peixe. Tudo se passa como se o objetivo fosse "liberar geral". Uma prova? Tão fácil! Os partidos devem resguardar os valores democráticos, segundo afirma a Constituição. Entre eles, que eu saiba, a alternância no poder é um dos principais. Pois posso citar meia dúzia de presidentes quase eternos nas suas siglas. E caminhamos para as sucessões familiares.
    A lentidão da Justiça e das providências referentes a qualquer inquérito são outra causa a enfraquecer as estruturas partidárias. Ocorre algo errado, o filiado bate às portas da Justiça. Deve pagar cada centavo do custo da causa de seu bolso; já os dirigentes partidários se socorrem do Fundo Partidário. E os inquéritos e processos levam meses e anos para chegarem à alguma conclusão; quem se dispôs a sair de seus cuidados para enfrentar, em nome da decência, máquinas muito maiores do que ele, rapidamente conclui que o seu papel não é visto como o de um cidadão a merecer encômios, mas bem como o de um importuno a causar estorvo. E paga para tanto, com seu tempo e o custo dos selos ou do SEDEX, com viagens e estadias, custas e as indispensáveis orientações jurídicas.
    Assim, se me permite o Estadão, eu creio que propor como cura ao mal do partido-balcão de negócios a aplicação da cláusula de barreira é um erro de grande porte. Primeiro, por haver tanta patifaria no alto da escala quanto na parte de baixo. Em segundo lugar, porque será inútil, se os legisladores, os fiscais da Lei e os Juízes continuarem a nos proporcionar um aparato tão lento e tão ineficaz quanto o atual. Sem falar nos "anotados" que viram "aprovados".
    Se tamanho fosse documento, a parada estaria resolvida: a culpa seria dos pequenos e poderíamos dormir tranquilos, pois PMDB, PT, PSDB, PSB , PSD e DEM seriam virtuosos paladinos do Bem . Mas a parada reside no fato que as leis são mal feitas, não são lidas e quando usadas, protegem os autores dos malfeitos. E, assim que constataram essa brecha, os espertalhões criaram partidos ou assaltaram algum existente. É pena chegarmos à uma constatação tão desanimadora, mas ser um militante partidário sério, no Brasil, é difícil para chuchu. E não será mandando os menores partidos para o paredão que o problema estará equacionado.

Um comentário:

  1. Análise precisa, de fato! E o "financiamento público de campanhas" (multiplicando as atuais centenas de milhões de reais do malfadado Fundo Partidário, concentrado para agraciar as grandes legendas e oriundo dos tributos que poderiam ter melhor uso em Educação, Saúde, Seguridade Social...) é outro "remédio equivocado" lembrado pelos "cientistas políticos" quase sempre que se fala na tal "Reforma Política" - que tende a não vir para os fins desejados pela maioria se votada por mandatários eleitos pelo sistema que aí está com todas as suas distorções e que provavelmente só o trocariam por outro em que tenham chances ainda maiores de perenização nos mandatos... Eleição de Constituinte exclusiva restrita ao tema e plebiscitos/referendos podem ser elementos interessantes para uma tentativa real de evoluir nossas instituições políticas!

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